Válass, Beirute e Otto
Válass: caraca, Otto, você é muito engraçado, como você consegue?
Otto: poxa cara, sei lá.
Válass: Você consegue tirar comédia da cena, esse é o segredo, pensar na cena até que não é tão difícil, o difícil é tirar comédia da cena - Otto acena a cabeça positivamente.
Beirute: Ah cara, não liga, você é engraçado, eu rio o tempo todo contigo.
Válass: É, mas é porque eu pago muito mico, é diferente.
Otto: É, igual ser pego no shopping com o negão
-Gargalhadas-
Válass: po, até tú Otto?
Otto: perdão. Mas me responde, e daí que você não é engraçado? Fica tranquilo, não vou vir com aquele papo de cada um tem seu talento, pois isso é metidez disfarçada. A comédia tem várias faces, essas brincadeiras que agente faz, não mostram que somos bons em comédia, ou em "comediar" alguma coisa, mas sim, de improviso; e isso é muito difícil.
Válass: E como cada um tem seu talento... (risos)
Beirute: Mas é, cara. Cada um tem mesmo o seu próprio talento. E isso não te faz menor que ninguém. Pode reparar, sempre privilegiamos talentos. Sempre as pessoas com uma facilidade de raciocínio lógico são tidas como os super-inteligentes, enquanto um professor de português que domina muito bem a língua é tido como um cara... inteligente, mas os gênios são os da física, e tal.
Otto: e isso é típico do capitalismo e da sociedade que agente vive. O que é mais valorizado hoje, um engenheiro de qualquer coisa, ou um artista (não famoso, claro)? Simplesmente porque isso não dá dinheiro, porque se fosse o contrário, um cara que dissesse pro pai que iria fazer uma faculdade de engenharia do petróleo, por exemplo, seria chamado de louco, inconsequente, etc. não concorda?
Válass: Sim, sim...
Otto: agora me responda, existe diferença de importância entre o conhecimento? Será mesmo a ciência e a tecnologia mais importantes que as artes?
-silêncio-
Otto: lembre-se que você é socialista!
Válass: Realmente, não há. Mas Otto, vivemos num mundo capitalista, é o sistema; por mais bonito que seja o discurso, o dinheiro é necessário. Prova disso é que você está fazendo Direito, e tem um baita talento pra artes.
Beirute: Ih, agora o gordinho pegou pesado!
Otto: Você tem razão, estamos nesse tal mundo "capetalista". Eu não desisti do meu sonho e da minha vocação nas artes, eu apenas guardei-os na gaveta; penso que abri mão de correr atrás desse sonho por um tempo, para atender à certas prioridades.
Beirute: Quais?
Otto: Eu pretendo constituir uma família cara. Eu preciso ter uma renda fixa. Eu me interesso pelo direito, não o faço só pelo dinheiro, iria contra o que eu acredito e digo. E a música não foi enterrada, e nunca será.
Válass: Mas como você vai conseguir conciliar o seu emprego com o seu sonho?
Otto: Não faço ideia. Tem coisas que você só sabe como vão acontecer quando elas acontecem. Mas o que é sempre necessário, é ter a firme convicção de que aquilo irá acontecer.
Beritute: Válass, você não é engraçado. Seu humor é comum, e o que eu percebo é uma constante tentativa de aceitação, tanto própria quantos dos outros à sua volta.
Válass (assustado): O que é isso, Beirute? Já está partindo para a ignorância?
Beirute: Claro que não, só estou expondo meu ponto de vista. Pois muitas pessoas recorrem ao humor como refúgio para seus problemas de aceitação pessoal, e para fazer com que os outros também o aceitem melhor.
Otto: E o fato de você ter reagido ao comentário do Beirute dessa forma já demonstra a veracidade e a validade do comentário. Por motivos diversos, as pessoas recorrem à esses refúgios, uns se fazem de engraçados, para esconder uma tristeza amargurante, ou para serem melhor aceitos, pelo fato de se sentirem rejeitados pelo grupo em que estão inseridos. Não vou negar, também fazia isso; sempre me senti rejeitado pelas pessoas, nunca gostei de estar com pessoas da minha idade, com isso buscava a amizade de pessoas mais velhas, muitas das quais, por eu ser imaturo e naturalmente não conseguir acompanhar os papos, as sacadas, etc. faziam piadas, me ignoravam; e como eu fazia para continuar no grupo? Eu era engraçado (mesmo que na maioria das vezes, inconscientemente).
Válass: Então se isso é uma coisa a se mudar, porque você continua a ser engraçado?
Otto: O ser engraçado não é algo a ser mudado.
Válass: Eu sei...
Otto: A diferença é que hoje, eu percebi que eu não PRECISO ser engraçado, se eu sou, bom; se não, bom também. Não é todo mundo que me acha engraçado (num é nhá? =] ) e nem sempre eu consigo ser engraçado, mas sempre que eu sou eu mesmo, eu o sou. E isso percebo também em você, a maioria das vezes que você não é engraçado é quando você tenta ser.
Beirute: Eu não acredito que agente está tendo uma conversa dessas, e o tema é ser ou não engraçado.
Otto: É simples, o ser, ou tentar ser engraçado é parte do que somos, ou não somos. As pessoas tendem a recorrer a personalidades pré-fabricadas em vez de caminhar à procura da sua própria. Às vezes agente se esquece que a felicidade, própria e daqueles que conosco dividem o existir, se sustenta em sermos quem somos. As mudanças são inevitáveis, os sofrimentos e desentendimentos, idem, porém as máscaras só dificultam o processo.
Válass: Pode crer.
Beirute: Agente quer conhecer melhor você, Válass, não o cara engraçado, cheio de qualidades, mas você, seja você quem for.
Otto: Sim, do mesmo jeito que eu quero descobrir onde foi parar o Beirute, e o Otto.