por Volney Faustini – reescrito Dez. 2008
“Cara ou coroa?”, pergunta o assassino.
Pela idade da moeda, sabemos que a história se passa em 1980. O homem do lado de lá do balcão, prestes a ir para o lado de lá da vida, não imagina que tem 50% de chance de sobreviver. Mas sua sorte está lançada – não depende nem dele, nem do demônio assassino. A moeda vai ditar a sentença.
Este é um dos muitos paralelismos de “Onde os Fracos Não Têm Vez”. A vida perde sentido, pois o acaso está sempre presente. Chame-o - se quiser - de sorte e azar, pois na melhor das hipóteses as chances são meio a meio.
Os filmes, pelo menos os bons filmes – não importando se vêm de Hollywood ou de outras paragens – obrigatoriamente são obras críticas. A Arte transcende escolas, não se permitindo tomar o lugar delas. Serve como tábua de ressonância da realidade. Vai além da Filosofia, que poderíamos dizer, é a mãe de todas as escolas.
No caso dos irmãos Coen – não importa a perspectiva, se pelo conjunto de suas obras, ou se por “Onde os Fracos Não Têm Vez”, o questionamento filosófico suplanta a história e os personagens. Jorge Coli, de Ponto de Fuga (Caderno Mais! FSP), me revela que encontramos numa poesia* de William Butler Yeats a cepa do título original (“No Country for Old Men”). No entanto, há um jogo sutil no título que falta à tradução. O ‘onde’ pode ser um lugar específico, mas o ‘no Country’ é também a negação de lugar. Ou seja, na história, os velhos (e os fracos) não têm vez por não ser aqui o lugar para eles, mas também por não haver possibilidade de se viver porque no mundo não existe ‘onde’ viver. Ausência total de significado!
A diferença um pouco mais sutil, e aí já estou entrando no mérito, é que mesmo os fortes – os que assim se apresentam poderosos, indômitos e destemidos - também se tornam (com o tempo ou pelas circunstâncias) fracos e velhos, pois esta é a nossa sina. E aí voltamos à moeda – pois todos os homens têm os seus dois lados de fraco e forte, de jovem e velho.
É interessante, pois não se fez juízo de valor ou de moral. Quem é o mocinho do filme? Quem representa o lado bom? Será o xerife? Ou será o casal em sua luta por sobrevivência? E os caras do mau? São os traficantes (mesmo sendo de bandos diferentes)?
Aparentemente, os personagens em filmes pós-modernos estão isentos do mal. Ou até pior do que isso, eles carregam o mal consigo. Mas pouco importa. Não há lugar (momento) para se discutir, pois estamos fadados a morrer. Não há lugar para viver (físico), pois estamos marcados pela falta de significado. No fundo, não vivemos de fato nem de direito.
O pós-modernismo há muito adotou Nietzsche, indo além do bem e do mal. Aqui, o poder da força (perpetrado por Marques de Sade – daí vem o ‘sadismo’) e seu uso indiscriminado, sem freio nem arrependimentos. E do outro, os fracos, como zumbis - a ausência de poder os levará a morte.
Mesmo na sutil e aparente exceção, onde o demônio matador não se mostra fraco, nos parece que suas qualidades são sobre-humanas. Será ele um super homem? Será ele o Diabo?
Um psicopata, um assassino frio e cruel, uma criatura que se supera em suas próprias limitações – quer nos ferimentos à bala ou numa fratura exposta, é forte enquanto a sua velhice não chega. Passaram-se quantas décadas desde então?
Muitas moedas serão lançadas. E na chance de 50 para 50 – um dia poderá chegar a sua vez. E mesmo o forte terá a sua vez. E ser fraco será finalmente a sua sentença de morte.
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Post Scriptum
Um filme policial, retratando a violência, com pano de fundo o tráfico de drogas, a ganância - ingredientes para uma boa história. Podemos assisti-lo como pura diversão, sem perceber que há um significado na arte que retrata nosso tempo, nossa sociedade e a filosofia e valores que nos permeiam.
Precisa-se ir longe? A guerra no Iraque, o terrorismo mundial, a política suja e corrupta, os assassinos em família, a bandidagem, o uso desmedido de força pelas tropas do Bope, o traficante da esquina ...
Não, não é para se ir longe. Qual o significado que o mal tem para mim? O que representa o poder sobre outras pessoas? O fato de usá-lo, para o bem ou para o mal? E a minha vida, tem significado?
O nosso desafio é cotejar a história do filme, ‘onde os fracos não têm vez´, com a mensagem dos Evangelhos, que nos traz Jesus como Filho de Deus. Que nos apresenta a Cruz – entregue a um Deus que ama, que se fez carne e se fez fraco. Um coitado sendo levado ao matadouro, caminho de morte e de sofrimento. Mas o fez para dar significado à minha vida.
O único fraco que realmente tem vez é Jesus! A sua morte e ressurreição no fundo são sinais de força e poder. Porque passou por tudo isso em sinal de amor. Ele se fez fraco por mim, para me dar vida e com ela significado e sentido.
Volney Faustini – Autor, blogueiro e consultor de empresas com foco em Inovação e Tecnologia.
Foi o editor da Revista Kerigma, tendo atuado em diferentes ministérios de alcance nacional.
Atualmente, congrega na Igreja Batista da Água Branca.
Um comentário:
Cara, simplesmente brilhante o texto! Um pouco complexo, porém intrigante e estimulador. Nos faz pensar que, na verdade, enquanto fazemos distinções entre fracos e fortes, submissos e poderosos, pobres e ricos, todos têm um mesmo destino: a morte. Entretanto, devemos escolher o que fazer enquanto não alcançamos esse destino. O que você tem feito? Tem jogado a moeda?
Abração cara!
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