quarta-feira, 14 de julho de 2010

Estátuas e cofres e paredes pintadas

"Vós, pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo."Colossenses 3:21 

Era noite e a luz se foi. Pais e filhos reunidos na sala, meu violão tocando qualquer coisa, o irmão mais novo quase dormindo e duas velas: uma no quarto degrau, outra no sexto. O momento parecia realmente propício para um momento tenro em família. A luz tinha acabado, não havia televisão para nos distrair, o rádio não era muito usado, e tinha pegado uma chuva havia dois ou três dias e não havia muitas esperanças de ainda estar funcionando, e a internet não nos prenderia. Todos só tinhamos a nós próprios.

Mas a luz se foi.

Todo filho sabe que os pais costumam esquecer do versículo acima citado. Não é novidade ver um pai ouvir o pastor pregando que os filhos devem se submeter aos pais em tudo e se inchando de autoridade sobre estes.


"O poder corrompe, e o poder total corrompe totalmente"


Não sei quem disse essa frase, mas com certeza está certo. Tanto está que vale lembrar o que foi oferecido ao homem para que comesse da árvore do bem e do mal: "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, esereis como Deus, sabendo o bem e o mal." disse a serpente, encantando o coração de Eva.


Não, não estou me revoltando contra meus pais. Eu os honro. E meus irmãos igualmente.


Mas o que nos causa ira [acho que posso dizer que não só em mim e em meus irmãos, mas em todos os filhos que se encontrem na mesma situação] é ver nossos pais tomando esse poder como bengala para suprimir suas culpas e como vara para ameaçar e/ou castigar qualquer um que falte com a tal honra.


"Você trate de me obedecer viu? Você conhece a Palavra de Deus e sabe que filhos que não obedecem os pais morrem cedo! Cuidado meu filho, cuidado!"

O caso em questão, que gerou esse texto foi o seguinte: meu irmão é muito irritadiço. Expressa sua ira com mais frequencia que eu, por exemplo. É óbvio que pessoas irritadas acabam irritando as pessoas ao seu redor.

Então, minha mãe, aproveitando a presença de meu pai, decidiu abrir o jogo e expor todos os problemas que já se passaram entre ela e meu irmão nessa questão de sua irritabilidade. E sem narrar toda a discussão, no final da conversa estava meu pai dizendo que nós precisavamos rever nossos conceitos sobre quem é nossa mãe.

Lá em casa temos uma relação muito amigável com nossos pais. Conversamos abertamente, rimos uns dos outros, zoamos uns aos outros, sem aquela neura que isso seria falta de respeito. Ao contrário do poderia se pensar que essa liberdade poderia causar, temos muito respeito pelos nossos pais. Mas as vezes eles parecem se esquecer desse lado da nossa liberdade.

E meu pai dizia "não adianta, sua mãe não é uma coleguinha de vocês" e minha mãe completou: "E não adianta, eu posso estar errada, toda errada, mas eu sou mãe de vocês. Se eu tiver errada, vocês ficam quietos e depois vêm falar que não gostou e tal. E não só comigo e com seu pai, que somos pais de vocês, mas com qualquer autoridade, qualquer líder."

Bom, acho que acabo de responder meus questionamentos. Mesmo tendo belas lembranças com meus pais. Tenho essa marca amarga de minha casa, o modo de pensar reinante nas igrejas evangélicas em geral, a teoria do "não toqueis nos meus ungidos" contaminou as mentes. Agora deixou o âmbito eclesiástico e penetrou nos lares. Ou o caminho foi inverso? Desse modo, não há muito o que se gabar das liberdades conquistadas nem de um bom relacionamento, baseado em respeito mútuo. O que os pais realmente querem é o respeito de mão única. Pelo menos até onde não pese na consciência deles. Nosso destino é sermos o rebanho passivo nas mãos dos detentores do poder divino.

"povo marcado esse, povo feliz."

Poder sem dever. Fruto proibido.

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